People Analytics: corremos o risco de criar uma divisão pré-crime?
Há pouco tempo assisti a uma palestra sobre People Analytics ministrada por um cientista de dados patrocinado por uma importante escola de negócios de São Paulo.
People Analytics é um processo de coleta, organização e análise de dados sobre o comportamento das pessoas no ambiente de trabalho. A ideia é que uma empresa obtenha dados que possam contribuir para a sua tomada de decisão, antecipando tendências para aprimoramento da estratégia.
Conforme a palestra foi avançando, fui sentindo um profundo mal estar pela forma como o assunto foi conduzido. As pessoas foram colocadas em absoluta igualdade com um objeto qualquer de estudo. O palestrante simplesmente ignorou o “people” e ficou somente com o “analytics”.
No mundo em que vivemos, com a busca incessante pelo propósito individual e a conexão com o propósito da empresa, concordo que os dados sejam cada vez mais importantes para a elaboração da estratégia. Mas é preciso saber ler estes dados.
O meu mal estar foi em pensar que as empresas podem ter cientistas de dados como aquele como a pessoa que ajudará alguém a tomar decisões sobre as outras pessoas daquele lugar. Um cientista que em momento algum da palestra demonstrou qualquer competência humana…
Minhas reflexões me remeteram a um filme protagonizado por Tom Cruise em 2002: Minority Report. A história é a seguinte: no futuro, um projeto para erradicar o crime é implantado pela polícia através de uma divisão pré-crime. Trigêmeos videntes são mantidos com seus corpos submersos em um líquido condutor, com eletrodos ligados aos seus corpos e conectados a computadores de última geração.
As visões dos trigêmeos são capturadas pelo sistema, o que permite que a divisão pré-crime consiga obter todas as informações do suposto crime antes que ele ocorra, e prender o pré-criminoso, que é condenado a hibernar em uma cela para o resto de sua vida. Oi?!?!?!
O sistema somente começa a ser questionado quando o principal policial dessa divisão (Tom Cruise) é tido como um suposto pré-criminoso.
Guardadas as devidas proporções e desconsiderando a ficção envolvida, será que não estamos arriscados a usar estes dados sobre o comportamento das pessoas como a divisão pré-crime do filme, pré-condenando as pessoas?
Eu trabalho com ferramentas de assessment (análise de perfil) e existe uma que gosto em particular: o perfil Apogeo. O Apogeo considera dois aspectos do perfil de uma pessoa: o determinista, ligado ao que é praticamente imutável, como nossos aspectos físicos, e o evolucionista, que diz respeito ao que podemos mudar, ou seja, o nosso comportamento. Então, ainda que existam aspectos que nos levem a considerar a probabilidade das pessoas se comportarem de uma ou de outra forma, é inegável o fato delas poderem nos surpreender com comportamentos absolutamente diferentes do que esperamos ou imaginamos.
Por isso é preciso muita responsabilidade na coleta, leitura e análise dos dados obtidos com o People Analytics, de forma a não pré-condenarmos as pessoas, comprometendo a qualidade das decisões que tomamos e, como consequência, contribuindo para que a credibilidade da empresa seja questionada e os resultados comprometidos.
Bettyna Gau Beni é consultora de empresas e cofundadora da Evoluigi.
Excelente Bettyna.
Excelente artigo Parabéns Muitas vezes observamos empresas preocupadas com os números e esquecendo do capital humano que faz girar os números Bom sobre um alerta abs