Empresas familiares: a macarronada de domingo e o RH
Quando no mundo corporativo, tive a oportunidade de trabalhar em algumas empresas familiares. Com bastante frequência, nós, do RH, nos reuníamos às segundas-feiras para procurar entender as novas diretrizes que frequentemente eram divulgadas após os almoços da família aos domingos.
Vivíamos parafraseando uma propaganda de molho de tomate que fez muito sucesso na época, onde um dos familiares ameaçava se jogar da janela após comer uma macarronada que não levava aquele molho e, com um pedido de desculpas da cozinheira, também membro da família, ele dizia: “_ Depende da sobremesa”.
Pela minha experiência, é comum em empresas familiares, principalmente as de pequeno e médio porte, que algo diferente que ocorra no final de semana influencie uma decisão para o negócio, de uma hora para outra.
É comum também que estas empresas valorizem os fortes vínculos emocionais, com laços de família ou amizade se sobrepondo ao profissionalismo, inimizades ou necessidades não atendidas podendo ser colocadas acima de alguns interesses nem sempre prioritários ou de interesse do negócio. Por isso dizíamos que se a macarronada não estivesse boa e a sobremesa não tivesse conseguido salvar o almoço, os projetos de RH poderiam ser impactados, em maior ou menor grau.
Não estou criticando as empresas familiares. Eu me desenvolvi muito em algumas competências necessárias para este desafio e acabei me apaixonando pela cultura e pelo ambiente. Tanto isso é verdade que hoje atendo algumas empresas com estas características, como consultora, mas admito que é um grande desafio ser RH neste tipo de negócio.
É preciso que o dono e/ou seus sucessores entendam a importância do RH para implantar e dar suporte à gestão, como todo RH deve fazer, mas, mais ainda, fazê-los entender que o equilíbrio das relações pessoais e profissionais é fundamental para que o negócio atinja todo o seu potencial e traga os resultados esperados, se tornando sustentável para as futuras gerações.
Em algumas empresas eu tenho atuado diretamente com os líderes, já que a estrutura não comporta um RH, ou ainda com mentoria para os RHs que estão se formando e precisam amadurecer e se desenvolver com o negócio.
Em qualquer uma das situações, o grande desafio é respeitar as tradições, desejos e necessidades da família mas se mostrar a favor do negócio acima de tudo, considerando e buscando entender as questões emocionais envolvidas, tendo conversas verdadeiras, transparentes e muitas vezes difíceis, respeitando o tempo do negócio, o que é desafiador em um mundo VUCA, sempre nos cobrando velocidade e agilidade.
Penso que as empresas familiares contam com muitas vantagens em termos de negócio no sentido de poderem decidir rapidamente o caminho a seguir, mudando de rumo sem muita burocracia. Por outro lado, estas mesmas vantagens, se não bem geridas, podem se transformar em pesadelo, por muitas vezes não darem clareza e não considerarem que toda mudança de comportamento é um processo e que, portanto, não é tão rápido quanto o nosso desejo e necessidade.
Na minha visão, o mundo VUCA se torna um desafio ainda maior para estas empresas. Vínculos pessoais, laços emocionais e laços de sangue estão profundamente arraigados e demandam auto-consciência e um investimento de energia enorme para serem transpostos, quebrando e mudando padrões de comportamento há muito estabelecidos.
Para as empresas familiares e seus RHs fica aqui um pedido: respeitem o tempo das coisas e não cedam às loucuras imediatistas. Ainda que o novo cenário demande isso, acreditem que é muito melhor dar um passo de cada vez com consistência do que sair correndo, chegar na frente e olhar para trás vendo que muita coisa importante ficou pelo caminho.
Bettyna Gau Beni é consultora de empresas e cofundadora da Evoluigi.