Carreiras Reais: Marcelo Hollanda, um piloto de helicóptero que vale a pena conhecer
Bettyna Gau Beni
Consultora e cofundadora da Evoluigi
Marcelo me recebeu em nosso encontro virtual com um largo sorriso. O mesmo que você pode ver na foto.
Ele nasceu em Vitória, Espírito Santo, em 1982, e me contou que entrar para a Polícia Militar ou ser piloto de helicóptero não eram necessariamente sonhos de criança. Como quase todos os jovens, aos 17 anos de idade ele ainda não sabia que carreira escolher, e foi no seu irmão, então já Oficial da PM, que encontrou o exemplo para a sua escolha. Embora nunca tenha passado por dificuldades financeiras, o irmão de Marcelo o ajudou a pagar pelos estudos durante um período mais desafiador para a família, e isso foi um fator determinante.
Passar no vestibular não foi fácil, pois o processo era pela Universidade Federal e era o mais concorrido da época. Foram necessárias duas tentativas até que ele conseguisse. Aos 19 anos, já na Academia de Polícia, Marcelo estudou muito para se adaptar à rotina intensa do lugar.
Se formou no final de 2004 e saiu com o sonho de servir no BME (Batalhão de Missões Especiais), o equivalente à tropa de choque. Ele se identificou tanto com o serviço, que tinha a intenção de se aposentar ali.
Mas no ano de 2009, recebeu o convite para fazer o curso de piloto. Na época era uma indicação e ele entendeu que poderia tentar, com a garantia de que, se não se adaptasse, poderia escolher voltar para o seu batalhão de origem.
Marcelo concluiu o curso e ficou acumulando as duas funções: servindo no Batalhão de Missões Especiais e acumulando horas de voo em instruções no NOTAER (Núcleo de Operações e Transporte Aéreo). Até que foi transferido no final de 2011 para a unidade de operações aéreas, onde permanece até hoje como piloto.
Ele, entretanto, ainda se orgulha em dizer que não perdeu o contato com a tropa de choque até hoje e que recebeu o convite para voltar para lá em duas ocasiões.
“O coração queria voltar, mas o compromisso não permitiu. O racional pesou. Então, decidi permanecer no NOTAER.”
Marcelo conta como a profissão é contagiante. O fato de ser piloto com a missão de salvar vidas envolve muita adrenalina, muito trabalho em equipe e vínculos de amizade para a vida.
“Vivemos muito próximos do limite, dependemos uns dos outros. Colocar sua vida em risco pelo outro fortalece o sentimento de equipe.”
Sobre o casamento com Christina, a quem conhece desde os 6 anos de idade e com quem tem dois filhos, Marcelo conta que foram criados e quase sempre estiveram juntos, somente com algumas idas e vindas na fase adulta, antes de decidirem constituir a linda família que tem hoje.
“Somos casados há 15 anos e a vida é bem corrida, mas temos uma forte parceria. Entendo que a mulher também tem os seus compromissos pessoais e profissionais, e por isso dividimos as tarefas.”
Marcelo entende que o homem mudou ao longo do tempo e diz que hoje homens não são mais os únicos provedores da família, são mais parceiros e constroem uma relação de companheirismo.
Quando perguntei sobre o Marcelo autor do livro ‘Anjos Audazes’ (https://www.resgateaeromedico.com.br/piloto-do-notaer-do-es-lanca-livro-sobre-maior-tragedia-natural-do-estado/), entendeu a intensidade das memórias e emoções que as operações de resgate decorrentes das intensas chuvas no Espírito Santo em Dezembro de 2013, tema do livro, causaram. Foi um momento de profunda entrega para Marcelo e seu time. Dias de intenso trabalho com memórias de muita aflição que não saíam de sua cabeça.
Marcelo aproveitou a oportunidade de ter que trabalhar com os dados estatísticos para reportar ao Governo do Estado, e então teve a ideia de materializar as suas angústias e a sua tristeza por meio da escrita. Se inspirou nos livros de alguns colegas e começou a escrever.
Levou 2 anos para finalizar o livro. E levou mais tempo ainda para publicá-lo. Para Marcelo estava muito claro que o livro, com todos os registros de fatos e dados de um período muito triste para o seu Estado, poderia servir não somente para reporte dos dados que ele tinha o dever de fazer, mas também como um serviço para o NOTAER e para a população, que conheceria mais do trabalho realizado em prol da população.
Porém não foi isso o que aconteceu. Interesses divergentes fizeram com que ele iniciasse um processo de financiamento compartilhado (crowd funding), através de um site especializado. Muitos contribuíram e o livro saiu. Tamanho foi o sucesso que, na semana do lançamento, entrou para o 2º lugar em vendas da livraria loca!
Além da realização pessoal pela honra das vidas salvas e das famílias dos que perderam a vida em Dezembro de 2013, Marcelo honrou o trabalho e o esforço do seu time. O livro abriu várias portas para que o trabalho da PM e do NOTAER fosse divulgado. Marcelo deu entrevistas, ministrou cursos e palestras, inclusive para os estudantes do curso de jornalismo da Universidade Federal.
“Todos queriam saber como um capitão da PM, que não estudou para escrever, poderia ter feito isso. Através de um sonho, de uma vontade, pude sair de uma formação diferente e consegui publicar um livro. O suor, a dedicação, os esforços, tudo isso vem antes, para depois vir o reconhecimento.”
Quando perguntei a Marcelo se ele é uma pessoa de sucesso, ele me respondeu que se ele considerar o lado profissional, como servidor público, dentro da estrutura da PM, ele pode dizer que sim. Ele tem a convicção de que a aviação representa um sonho para várias pessoas.
Mas, percebi, pela sua resposta, que algo estava faltando.
Então veio o complemento, mas não sem antes reafirmar, mais uma vez, que o seu trabalho é apaixonante: a questão da remuneração, que é bem diferente do setor privado e depende exclusivamente de políticas públicas, e não de mérito. Então torna-se um desafio à parte.
E a dica que ele dá para quem quer seguir essa carreira é justamente para que a pessoa que fizer essa escolha, pense em não depositar todo o seu tempo em uma única fonte de renda.
Ele entende que o seu trabalho requer muitas horas de estudo, muito tempo dedicado ao condicionamento físico, abdicação até de compromissos pessoais, porque as horas de trabalho são intensas, as escalas quase nunca acompanham a agenda da família, mas afirma que a sua geração foi forjada para esse modelo e que, se tivesse filhos já na idade de escolha de carreira, o conselho seria:
“Não mensure o trabalho pelo conteúdo material, pois ele tem outro significado. Mas tente conciliá-lo com outras áreas de estudo para que você tenha uma fonte extra de renda, com um retorno financeiro maior para dar uma melhor condição para a sua família.”
Sobre o futuro, Marcelo entende que os próximos anos ainda serão de muita contribuição para a aviação, principalmente na operação. Mas deseja que antes de completar os 13 ou 14 anos de serviço que ainda faltam para se aposentar, quando ele estiver mais antigo de PM e não puder mais agregar no voo, ele possa voltar para a sua unidade de origem, o BME.
De tudo, o que mais me impactou na conversa com o Marcelo foi o seu amor e respeito à profissão e à sua família:
“É gratificante sair de casa para ajudar, para salvar uma vida, para poder dar apoio a um PM que está lutando para manter a paz social em solo. No cumprimento da missão, é fundamental voltar vivo, com a equipe viva. Tem alguém te esperando em casa.”
Quer conhecer um pouco mais do Marcelo Hollanda? Visite o seu perfil.